segunda-feira, 4 de agosto de 2014

FALANDO SOBRE A PASTORAL CATEQUÉTICA

          Na época em que eu atuava como ministro da catequese (catequista), não era raro ouvir nos encontros de formação ou reuniões, o recado de que “devíamos nos abastecer com os documentos da Igreja sobre a catequese”. Dois desses documentos eram os mais propostos: O Catequese Renovada e o Diretório Nacional da Catequese, ambos da CNBB.

          Como ler para mim nunca custou nada, me muni desses dois textos e fui lê-los. E o que constatei é fantástico, embora preocupante.

          Mas antes de discorrer sobre minha constatação, gostaria de citar alguns trechos desses documentos, e de um outro que me chegou às mãos no mesmo período, nos quais encontro fundamentação para o que vou escrever.

“Esta sociedade, marcada também pelos ateísmos práticos e teórico-militantes, por diversos tipos de neopaganismo, pelas formas fanáticas e sectárias de religiosidade de origem recente e pelo indiferentismo religioso, precisará também de um tipo de catequese que, além de uma sólida fundamentação da fé, seja capaz de ajudar o cristão a converter-se e a comprometer-se no seio de uma comunidade cristã para a transformação do mundo” (Catequese Renovada, 19)

“[...] todo roteiro catequético deverá incluir estímulos e orientações com vista a uma leitura da Bíblia, segundo um plano adequado à idade e às condições culturais do leitor. O plano deve favorecer uma leitura interessante, viva, com acesso direto aos textos, ajudando a compreensão da mensagem, assim como o Magistério da Igreja a interpreta” (Catequese Renovada, 40)

“Pode-se falar também de adaptação do conteúdo. [...]Adaptação significa levar em conta as condições históricas e culturais dos catequizandos. A integridade do conteúdo pode e deve ser comunicada numa linguagem adequada aos homens de hoje: pois uma coisa é o depósito e as verdade da fé, outra é a maneira com que são enunciadas, embora o significado e o sentido profundos permaneçam os mesmos. [...] As situações históricas e as aspirações autenticamente humanas são parte indispensável do conteúdo da catequese.” (Catequese Renovada, 101-4º)

“O conteúdo da catequese compreende dois elementos que interagem: a experiência da vida e a formulação da fé. A afirmação do princípio de interação é a recusa tanto do excesso da teoria desligada da realidade, quanto do dualismo que desvaloriza as necessidades do aqui e agora, da vida terrena dos filhos de Deus”. (Diretório Nacional da Catequese, 13 – i)

“[...]garantir material didático moderno (internet) na formação das crianças e jovens, abrindo espaços interativos entre catequistas e catequizandos, através de fóruns de discussão, busca de informações, divulgação de notícias da catequese e da igreja, etc.; proporcionar encontros de catequese em ambientes adequados e com utilização de equipamentos atualizados e, às vezes, em ambientes abertos; terminar os encontros com atos celebrativos e com metas para o agir cristão, que ampliem o conteúdo estudado; criar momentos de integração entre pais, catequizandos e catequistas[...]” (Plano Diocesano de Pastoral (2011-2020) Diocese de Tubarão, 110)

        Contrapondo os textos expostos acima à nossa práxis catequética, resta claro e inequívoco a urgente necessidade de uma total reestruturação nesta que deve ser a maior de todas as preocupações na caminhada pastoral da igreja.

         É na catequese que, nos dias atuais, o indivíduo tem o primeiro contato com a igreja e com Jesus Cristo. E esta primeira impressão deve causar o impacto necessário para que durante toda a sua vida este indivíduo não cesse de buscar caminhar com Jesus, através da Sua igreja.

     Entretanto, é gritante o número de crianças e adolescentes em nossas comunidades desprovidos de conhecimento bíblico e religioso. Mesmo os que frequentam a catequese demonstram uma grande tibieza (e às vezes até aversão) quando o assunto é religião e igreja.

        Não raro são os que, num determinado instante da vida e na busca por algum conhecimento e respostas, enveredam por caminhos protestantes e espíritas, tornando-se ainda ferozes agressores ao catolicismo.

      Algumas pessoas, em resposta a argumentos como o acima, defendem o discurso do “mais qualidade e menos quantidade”. Com base no que nos transmite a história eclesiástica, eu entendo que não era bem essa a intenção dos apóstolos e primeiros evangelizadores, já que não se limitaram em apenas qualificar o pequeno grupo judeu-cristão, mas lançaram-se a todos os lugares aumentando a quantidade daqueles que podiam ser (e eram) qualificados. Não copiarei citações da Evangelii Gaudium, mas quero mencioná-la para lembrar o quanto o Santo Padre, o Papa Francisco, insiste nesta obra, de atrair pessoas para Cristo.

         - Mas, Anselmo, os tempos hoje são outros!

         E talvez esta seja a maior de todas as justificativas para que renovemos nosso jeito de fazer catequese. Estamos vivendo um tempo de mudanças e ao mesmo tempo uma mudança de época. Se não formos competentes e intrépidos no ensino e na prática cristã hoje, em pouco tempo estaremos nos contentando com um pequeno grupo de pseudo qualificados em nossas paróquias.

         - Talvez nossos catequistas devessem fazer um trabalho melhor, Anselmo.

         Não coloquemos um fardo tão pesado sobre os ombros desses homens e mulheres que voluntária e caridosamente se dedicam a fazer mais do que sabem para educar nossas crianças e adolescentes na fé. Não gosto de utilizar o termo “culpa”, mas “responsabilidade”. E, como pai e catequista, atribuo a responsabilidade não aos ministros da catequese que estão “em sala”, mas às pessoas que lideram a pastoral catequética nas paróquias, comarcas e diocese; muitos destes deveriam ainda estar vivendo a prática da catequese junto às crianças e adolescentes, para assim poderem constantemente reavaliar os métodos e materiais didáticos utilizados. É só através do contato e da vivência da realidade do catequizando, que pode-se fazer a necessária e eficaz adaptação de conteúdo de que fala o documento Catequese Renovada no Art. 101, 4º.

         - Você tem a solução, então?

         Não, não tenho A solução. Até porque num trabalho tão abrangente como é a catequese, a solução não deve partir nunca de uma única pessoa ou um pequeno grupo. Há que se ter uma macro visão, ouvir todas as partes envolvidas (catequistas em sala, pais, catequizandos, outras lideranças).

         Não, eu não tenho A solução. Mas posso elencar alguns procedimentos que deveriam ser revistos.

         1º – Idade de Ingresso na Catequese
        
Durante muito tempo a idade mínima para que a criança pudesse ingressar na catequese em nossa diocese era a de nove anos completos.

Importante destacar aqui a radical cobrança dos coordenadores sobre este “detalhe”: a criança deveria ter completado nove anos até o dia 31 de dezembro do ano anterior, ou seja, se a criança tivesse completado nove anos no dia 5 de janeiro de 2014, e mesmo que a catequese só fosse iniciar dali a dois meses (como ainda ocorre), a criança deveria esperar até o próximo ano (2015) para ingressar.

Segundo informações que recebi há alguns anos, houve uma sugestão para mudança dessa idade de nove para sete anos, entretanto devido a uma grande resistência, optou-se pelo meio-termo, oito anos.

Essa resistência indica o quão desinformadas estão nossas lideranças no que se refere à psicopedagogia.

Jean Piaget, um teórico do desenvolvimento humano, dividiu em quatro os períodos desse desenvolvimento. Segundo ele, cada período é caracterizado por aquilo que de melhor o indivíduo consegue fazer nessas faixas etárias. O segundo e o terceiro períodos correspondem à infância (2 a 6 anos – primeira infância, e 6 a 12 anos – infância propriamente dita).

“É no terceiro período (6 a 12 anos) que tem início a construção lógica, isto é, a capacidade da criança de estabelecer relações que permitam a coordenação de pontos de vista diferentes. [...]É neste período que a criança se torna capaz de cooperar com os outros, trabalhar em equipe, [...]ocorre o aparecimento da vontade como qualidade superior [...]os novos sentimentos morais são o respeito mútuo, a honestidade, o companheirismo e a justiça.” (FURTADO & BOCK – Psicologias Uma Introdução ao Estudo da Psicologia – 13º Ed – 1999 – p.103)

O início deste período, não coincidentemente, corresponde ao início do período escolar. É quando o universo da criança se expande do pequeno núcleo familiar para a grande comunidade chamada escola, onde a criança se depara com uma diversidade de pensamentos e comportamentos, além de começar a desenvolver suas aptidões intelectuais.

Não deveria também a igreja apropriar-se disso e proporcionar à criança já nesta idade de seis anos o início da sua formação cristã? Penso em quanto ganharíamos por não esperarmos que a criança, somente após dois ou três anos de experiência extra-familiar, fosse iniciada na caminhada de formação cristã. Até porque no atual contexto em que estamos inseridos, muito rapidamente as crianças estão se apropriando de conhecimentos que antes só iriam ter acesso após a adolescência, principalmente no que diz repeito às inovações tecnológicas, drogas e sexualidade.  

Houve uma época em que realmente a criança podia esperar até os nove anos para ir à catequese, porque ela já vivia uma experiência cristã na família, com as devoções dos pais e avós e a participação às celebrações. Mas hoje isso mudou; a prática religiosa dentro de muitas famílias é quase zero.
                                                                                                            
Hoje é preciso começar mais cedo, até porque, começando cedo torna-se possível desacelerar o ritmo, ampliar o conteúdo, organizá-lo de forma gradativa e repetir/reforçar o que for necessário, além de contribuir para um melhor aproveitamento da relação catequista / catequizando / família.

         2º - Paralelismo catequese / escola

Em 1989 o sociólogo francês Pierre Babin profetizava sobre a transformação da “escola-loja” (profesor de frente para os alunos) em “escola-mesa” (professores e alunos no mesmo plano, círculos). Passados 24 anos percebemos que na escola isso ainda não mudou.

E infelizmente a catequese continua imitando o sistema educacional ultrapassado também nesse aspecto. Não são raros os espaços de catequese montados de maneira idêntica a uma sala de aula: carteiras de frente a um quadro negro (ou branco) e uma mesa para o catequista (professor). Até o material didático é semelhante: livro (catecismo), caderno, lápis e borracha. A reprovação por frequência insuficiente também é uma cobrança feita aos catequistas.

O método de trabalho “em sala” em muitos casos ainda é bem parecido com o que ocorre na sala de aula: leitura do assunto no livro, exercícios no caderno e tarefa para casa.

As férias escolares também são imitadas na catequese, o que impede o acesso das crianças a uma catequese mais vivenciada sobre o natal.

Esse paralelismo contribui para que a criança veja na catequese uma extensão da escola, com todas as suas obrigações e imposições. O sabor da novidade que é o evangelho se perde devido à insípida forma de evangelização que é a catequese em muitas comunidades.

A única maneira de alterar esse status é mudar radicalmente os métodos de comunicação dentro da catequese, em todos os aspectos: horários, tempo de duração, formato das salas, ambiente, recursos (humanos e técnicos) e participação do catequista não mais como professor, mas como colaborador.

         3º - Comunicação na Catequese

         “Não basta usar os meios de comunicação para anunciar a mensagem cristã, é necessário integrar a mensagem nessa nova cultura, criada pelas modernas comunicações”. (Redemptoris Missio, 37)

Podemos dizer que dos 100% que compõe o nosso poder de comunicação, 80% vem do conhecimento do conteúdo; é o conhecimento técnico. Os 20% restantes são técnicas, mas sem estas a transmissão do conhecimento fica comprometida.

Antigamente os mestres (professores, padres, catequistas, etc.) mostravam e interpretavam a vida e a cultura e divulgavam isso cada um no seu campo de atuação. O início da comunicação em massa manteve um esquema conhecido como: UM PARA TODOS.*

Hoje qualquer um com simples ferramentas torna-se ponta do processo. Todos podem divulgar opiniões pessoais ou de grupos, promover mobilizações, levantar bandeiras, etc.. É o novo esquema, chamado TODOS PARA TODOS. Isso provocou mudanças culturais e criou uma nova cultura – a cultura midiática.*

Essa nova cultura produz o protagonismo, a valorização pessoal a visibilidade e exige criatividade.

E a igreja conhece tudo isso muito bem e até divulga nos seus documentos; um exemplo são as mensagens dos papas no Dia Internacional das Comunicações nos últimos anos. Todavia não as põe em prática na vida pastoral, principalmente litúrgica e catequética.

As crianças de hoje são da geração das mídias sociais e de relacionamento; e o que a catequese faz com essas ferramentas?

Sabemos que a família é a primeira catequese. É lá que a criança aprende os valores, a importância do diálogo e tem as primeiras noções sobre religiosidade. Entretanto grande parte das crianças que chegam à nossa catequese não vem de ambientes em que se viva essas práticas; alguns são órfãos de pai ou mãe, vivem com parentes, ou em ambientes de constante conflito onde Deus figura como alguém que não está nem aí para eles. Hoje, mais do que nunca, a catequese é responsável pelo primeiro anúncio e o primeiro contato, como já mencionei, da criança com a realidade religiosa.

Entretanto nossa maneira de comunicar isso não está atingindo seus objetivos.

Creio que já está na hora de a catequese se tornar um ambiente em que os catequizandos sejam agentes da própria formação, e o catequista funcione apenas como um facilitador deste processo. A igreja e os catequistas precisam dominar e facilitar o uso da linguagem das imagens (foto e vídeo), das mídias de relacionamento, da linguagem (gíria) das crianças e adolescentes.

Estatisticamente sabe-se o seguinte:
·         Uma pessoa retém 10% do que lê;
·         26% do que escuta;
·         30% do que vê;
·         70% do que vê e escuta;
·         70% do que discute com os outros;
·         80% do que aprende experimentando;
·         90% do que explica para os outros;
·         95% do que ensina para os outros;

Considerando isso, ao permitir que o catequizando se torne protagonista da sua própria evangelização, permitimos que ele absorva muito mais as verdades da fé e o ensinamento da igreja, do que realmente ele absorve apenas sentado ouvindo.

         Quanto ao catequista, não deve ter medo de arriscar. Deve ser ousado. E não esquecer que sua presença deve ser sempre oportuna e segura. Ele deve incentivar para que o conhecimento seja partilhado (eles não conhecem e vão pesquisar na internet, documentos, visitas, entrevistas, Bíblia) e depois partilham entre si das formas mais diversificadas possíveis (fotos, vídeos, encenações, músicas, posts em redes sociais, etc.). É também um meio de despertar na criança a consciência sobre o uso sadio da ferramenta internet.

*Parte do texto foi extraída do seminário “Comunicação e Catequese” apresentado no 1º MUTICOM do Regional Sul IV, em Joinville, em maio/2011.

         4º - Valorização dos Sacramentos

Não é equívoco equiparar os atos sacramentais de primeira eucaristia e crisma com as formaturas de ensino fundamental e médio. Nosso sistema não prepara para a vida, mas para o sacramento. A cada ano entregamos às comunidades mais um grupo de “sacramentados” com poucos “evangelizados”.

Nossas crianças não entram na catequese para serem evangelizadas, mas para fazerem a primeira eucaristia e a crisma. Um dos primeiros questionamentos dos pais ao “matricular” (até esse termo é o mesmo da escola) seu filho na catequese é: daqui a quanto tempo ele “faz” a primeira eucaristia? E depois da primeira eucaristia a grande preocupação é “fazer” logo a crisma.

O ideal seria não pôr esses dois sacramentos como meta final da catequese, mas sim como conquistas ao longo de um caminho que se inicie aos seis anos de idade, mas que não tenha obrigação de acabar.

A eucaristia, e toda a pompa que a cerca, se equipara à formatura do ensino fundamental; a crisma à do ensino médio. E a penitência é uma obrigação chata que aparece antes de uma e outra.

O modo como levamos nossas crianças a ter seu primeiro contato com o sacramento da penitência é que faz com que cada vez mais os jovens e adultos deixem de buscá-lo.

A catequese deve ser uma caminhada ininterrupta, onde o conteúdo é dosado de acordo com as faixas etárias e os sacramentos “oferecidos” nos momentos oportunos: a eucaristia por volta dos 12 anos, a crisma por volta dos 15. Quanto à penitência (confissão) não deve ser mais vinculada a esses dois momentos, mas tornar-se uma prática constante desde cedo, ou, conforme o Cânon 989 do CDC: “Todo fiel, depois de ter chegado à idade da discrição, é obrigado a confessar fielmente seus pecados graves, pelo menos uma vez por ano”.

Periodicamente, dependendo da disponibilidade dos padres da paróquia e do número de comunidades, o sacerdote poderia visitar os catequizandos e oferecer-lhes o sacramento da confissão. Essa prática, além de proporcionar um maior contato entre sacerdotes e catequizandos, vai fazer com que esses venham a entender e viver o verdadeiro sentido deste sacramento e a buscá-lo com mais frequência no futuro, pois, pela mesma prática, entenderão que não se trata apenas de um momento em que se conta pecados, mas de uma experiência de amizade e confiança entre padre e catecúmeno, que culminam na experiência da misericórdia de Deus.

Como disse, não tenho a solução, mas um grande passo para encontrá-la é reconhecer o que precisa ser corrigido ou eliminado, e fazer acontecer.


Autor: Anselmo José Ramos Neto

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