NÃO FICARÁ PEDRA SOBRE PEDRA
Há dias
reencontrei um antigo colega de trabalho, que hoje reside numa cidade vizinha.
Ele, evangélico, falou-me da caminhada e do trabalho junto à sua igreja e me
convidou para visitá-los quando estivesse “por lá”. Recentemente atendi ao seu
convite.
O
templo de sua comunidade é pequeno e modesto, uma antiga casa de moradia
adaptada. Em anexo uma espécie de edícula utilizada para confraternizações e
onde as crianças frequentam a escolinha dominical.
Num terreno ao lado,
comprado há pouco, ergue-se uma construção que ele me informou ser a futura
instalação de uma “creche beneficente”.
E ele
me explicou:
- Muitas mães aqui da igreja trabalham e não tem onde deixar os filhos. Esta
creche é para elas, gratuitamente. Alguns voluntários vão se revezar no
atendimento. Eles são fiéis no dízimo, nada mais justo do que receberem algum
retorno.
Confesso
que saí constrangido e me sentindo até um pouco envergonhado. E fiz o caminho
de volta pensando sobre isso e principalmente sobre como nós católicos, em
nossas comunidades fazemos uso do dinheiro que arrecadamos.
Não
quero aqui fazer comparações entre os dízimos católico e evangélico, nem quanto
ao valor, nem quanto à forma como é cobrado ou aplicado.
Mas uma
coisa é certa:
Com
raras exceções, as comunidades católicas estão aplicando muito mal o dinheiro
que entra em seus cofres. Nosso dízimo, segundo o discurso, tem as dimensões
social, pastoral e missionária. Como tem sido feita esta distribuição em cada
comunidade? Como os CAEPs e CPCs tem gerenciado isso?
O exemplo da creche acima me fez lembrar que todo o dinheiro que arrecadamos
mensalmente na comunidade vem do dízimo (oferta do coração), mas a arrecadação
mais vultosa do ano é aquela proveniente das festas dos padroeiros. E por causa
dessas festas nós passamos o ano inteiro vendendo rifas, bingos, almoços,
festas dançantes (que é a mesma coisa que baile)...
- Ah, não é não, Anselmo! Festa Dançante é coisa de igreja,
baile é coisa do mundo!
Até seria, não fosse o paralelismo:
1º - a banda que anima um, anima o outro;
2º - o repertório é o mesmo para os dois (com músicas bem atuais)
3º - os “comes e bebes”
também são os mesmos
A única diferença está no convite, pois o convite para uma festa
dançante sempre traz o nome do padroeiro (mesmo que ele não dance). Inclusive, lembro-me de um convite que circulou pela cidade há
alguns anos que tinha em letras garrafais: “BAILE DA IMACULADA”, e uma imagem
da Imaculada Conceição de fundo. Cômico, se não fosse trágico!
Mas voltemos ao tema de hoje.
Passamos o ano inteiro vendendo, vendendo, vendendo... pedindo,
pedindo, pedindo. E na semana seguinte à festa vamos para os programas
radiofônicos “divulgar o resultado da festa”: tantos milhares de reais. E
agradecemos a Deus, ao padroeiro, ao padre tal que veio de fora e “fez uma
missa muito animada”, ao povo que prestigiou a semana e o almoço de domingo,
etc..
- Tá, Anselmo, mas o que tem de mal nisso?
Até aqui, não muito.
Até porque o foco deste comentário está sobre a aplicação dos
recursos advindos das contribuições mensais do dízimo ou da festa e suas promoções.
ALGUMAS de nossas lideranças (principalmente CAEPs e CPCs) só se
preocupam com a igreja de pedra. Não que não precisemos de um templo, claro que
precisamos! Mas não necessitamos de templos de luxo.
Há uma preocupação desmedida em construir esta igual aquela, ou
melhor do que a outra. Parece que estamos na Idade Média, em que as cidades
competiam para ver qual fazia a Catedral mais imponente e majestosa.
E o pior é que a preocupação está só no que pode ser visto. Há
capelas que todo ano recebem pintura nova, reparo no reboco, nas portas e
janelas, enquanto os insetos devoram a armação de madeira da cobertura. Será
que é porque a armação não aparece? Há capelas que em menos de 10 anos já
trocaram de sacrário três vezes. Será que o Santíssimo Sacramento (Jesus
Cristo) está tão exigente assim quanto à sua morada? Há comunidades em que um
CAEP construiu uma capela de adoração, veio o outro CAEP e desmanchou. Será...
o que? Há capelas em que o espaço celebrativo é reformado todos os anos,
enquanto que o espaço formativo (salas de catequese e afins) não recebem um
único investimento. Será que basta celebrar? A formação pode ser de qualquer
jeito?
E os salões, então...
Primeiro: nem deveriam existir. Hoje sai mais barato locar uma
cobertura para um dia ou dois de festa do que construir e manter um salão para
ser usado uma ou duas vezes no ano. Gastam-se milhares de reais para se
construir churrasqueiras que só serão utilizadas uma vez no ano. Equipa-se
cozinhas com toda sorte de utensílios, que acabam sendo usados apenas uma vez
no ano.
E tudo com o dinheiro que o povão doa. E quando o povão precisa
usar de toda essa estrutura que financiou, dão de cara com uma burocracia
desgraçada: taxas elevadas, ofícios, requerimentos, autorização deste ou
daquele... daí surgem dissensões e divisões na comunidade... tudo a ver com o
ideal cristão de unidade.
Queridos, olhemos para trás. Não, não, mais atrás.
Lá para aquela Igreja que ainda precisava alcançar todos os cantos
do mundo, que era perseguida e martirizada, que não podia construir um
templinho sequer... ela cresceu e alcançou o mundo nos sótãos dos sobrados, nas
grutas ao redor da cidade. A Igreja de Cristo é a igreja das catacumbas... onde
os fiéis recebiam o pão da Palavra e da Eucaristia dividindo o mesmo espaço que
os defuntos... A Igreja de Cristo se reunia pelos campos e à beira dos lagos, e
não era o local que importava, mas as verdades ensinadas e vividas, o
testemunho na vida diária.
Se hoje, tendo alcançado já quase todos os cantos do mundo, temos
condições de ter um templo onde nos abrigamos para celebrar, Deus seja louvado
por isso. Mas não vamos nos paganizar achando que é só nas obras de pedra que
estamos agradando a Deus. O que realmente agrada a Deus é o quanto nossa
prática cristã tem transformado os corações. E pra isso não são necessários
templos suntuosos e luxuosos, mas a simplicidade de um estábulo de Belém, o
acolhimento de um jardim das oliveiras, o aconchego de um cenáculo de
Jerusalém.
Nossas paróquias são ricas e tem dinheiro suficiente para se
manterem modesta e tranquilamente e para colaborar com o social e o
missionário.
Este artigo não visa fazer com que paremos de dar nossa
contribuição financeira, principalmente no dízimo, mas visa conscientizar os
fiéis a serem mais exigentes na prestação de contas de suas lideranças e na
cobrança de uma aplicação mais cristã e menos pagã dos recursos.
Queridos CAEPs e CPCs, vamos fazer um melhor uso do dinheiro que
arrecadamos? Vamos olhar mais para a necessidade do nosso povo e parar de
querer mostrar coisas? Vamos parar de ostentar templos e salões, pois SÓ isso não
faz de vocês bons cristãos, pelo contrário, infelizmente? Vamos lembrar o que
disse Jesus em Mt 24, 1-2?
“Jesus
saiu do Templo e ia embora quando seus discípulos se aproximaram dele para
mostrar as construções do Templo. Jesus lhes disse: Vocês estão vendo tudo
isso? Eu garanto a vocês, aqui não ficará pedra sobre pedra, tudo será
destruído.”
40 anos depois esta profecia se concretizou, e só restou o Muro
das Lamentações.
E aquele povo que deu mais valor ao Templo e seus ornamentos e
desprezou o verdadeiro Evangelho, chorou lágrimas de sangue.
Autor: Anselmo José Ramos Neto