segunda-feira, 12 de maio de 2014

NÃO FICARÁ PEDRA SOBRE PEDRA


Há dias reencontrei um antigo colega de trabalho, que hoje reside numa cidade vizinha. Ele, evangélico, falou-me da caminhada e do trabalho junto à sua igreja e me convidou para visitá-los quando estivesse “por lá”. Recentemente atendi ao seu convite.

O templo de sua comunidade é pequeno e modesto, uma antiga casa de moradia adaptada. Em anexo uma espécie de edícula utilizada para confraternizações e onde as crianças frequentam a escolinha dominical. 

Num terreno ao lado, comprado há pouco, ergue-se uma construção que ele me informou ser a futura instalação de uma “creche beneficente”.
E ele me explicou:

- Muitas mães aqui da igreja trabalham e não tem onde deixar os filhos. Esta creche é para elas, gratuitamente. Alguns voluntários vão se revezar no atendimento. Eles são fiéis no dízimo, nada mais justo do que receberem algum retorno.

Confesso que saí constrangido e me sentindo até um pouco envergonhado. E fiz o caminho de volta pensando sobre isso e principalmente sobre como nós católicos, em nossas comunidades fazemos uso do dinheiro que arrecadamos.

Não quero aqui fazer comparações entre os dízimos católico e evangélico, nem quanto ao valor, nem quanto à forma como é cobrado ou aplicado.

Mas uma coisa é certa:

Com raras exceções, as comunidades católicas estão aplicando muito mal o dinheiro que entra em seus cofres. Nosso dízimo, segundo o discurso, tem as dimensões social, pastoral e missionária. Como tem sido feita esta distribuição em cada comunidade? Como os CAEPs e CPCs tem gerenciado isso?

O exemplo da creche acima me fez lembrar que todo o dinheiro que arrecadamos mensalmente na comunidade vem do dízimo (oferta do coração), mas a arrecadação mais vultosa do ano é aquela proveniente das festas dos padroeiros. E por causa dessas festas nós passamos o ano inteiro vendendo rifas, bingos, almoços, festas dançantes (que é a mesma coisa que baile)...

- Ah, não é não, Anselmo! Festa Dançante é coisa de igreja, baile é coisa do mundo!

Até seria, não fosse o paralelismo:
1º - a banda que anima um, anima o outro;
2º - o repertório é o mesmo para os dois (com músicas bem atuais)
3º - os “comes e bebes” também são os mesmos

A única diferença está no convite, pois o convite para uma festa dançante sempre traz o nome do padroeiro (mesmo que ele não dance). Inclusive, lembro-me de um convite que circulou pela cidade há alguns anos que tinha em letras garrafais: “BAILE DA IMACULADA”, e uma imagem da Imaculada Conceição de fundo. Cômico, se não fosse trágico!

Mas voltemos ao tema de hoje.

Passamos o ano inteiro vendendo, vendendo, vendendo... pedindo, pedindo, pedindo. E na semana seguinte à festa vamos para os programas radiofônicos “divulgar o resultado da festa”: tantos milhares de reais. E agradecemos a Deus, ao padroeiro, ao padre tal que veio de fora e “fez uma missa muito animada”, ao povo que prestigiou a semana e o almoço de domingo, etc..

- Tá, Anselmo, mas o que tem de mal nisso?

Até aqui, não muito.

Até porque o foco deste comentário está sobre a aplicação dos recursos advindos das contribuições mensais do dízimo ou da festa e suas promoções.

ALGUMAS de nossas lideranças (principalmente CAEPs e CPCs) só se preocupam com a igreja de pedra. Não que não precisemos de um templo, claro que precisamos! Mas não necessitamos de templos de luxo.

Há uma preocupação desmedida em construir esta igual aquela, ou melhor do que a outra. Parece que estamos na Idade Média, em que as cidades competiam para ver qual fazia a Catedral mais imponente e majestosa.

E o pior é que a preocupação está só no que pode ser visto. Há capelas que todo ano recebem pintura nova, reparo no reboco, nas portas e janelas, enquanto os insetos devoram a armação de madeira da cobertura. Será que é porque a armação não aparece? Há capelas que em menos de 10 anos já trocaram de sacrário três vezes. Será que o Santíssimo Sacramento (Jesus Cristo) está tão exigente assim quanto à sua morada? Há comunidades em que um CAEP construiu uma capela de adoração, veio o outro CAEP e desmanchou. Será... o que? Há capelas em que o espaço celebrativo é reformado todos os anos, enquanto que o espaço formativo (salas de catequese e afins) não recebem um único investimento. Será que basta celebrar? A formação pode ser de qualquer jeito?

E os salões, então...

Primeiro: nem deveriam existir. Hoje sai mais barato locar uma cobertura para um dia ou dois de festa do que construir e manter um salão para ser usado uma ou duas vezes no ano. Gastam-se milhares de reais para se construir churrasqueiras que só serão utilizadas uma vez no ano. Equipa-se cozinhas com toda sorte de utensílios, que acabam sendo usados apenas uma vez no ano.

E tudo com o dinheiro que o povão doa. E quando o povão precisa usar de toda essa estrutura que financiou, dão de cara com uma burocracia desgraçada: taxas elevadas, ofícios, requerimentos, autorização deste ou daquele... daí surgem dissensões e divisões na comunidade... tudo a ver com o ideal cristão de unidade.

Queridos, olhemos para trás. Não, não, mais atrás.

Lá para aquela Igreja que ainda precisava alcançar todos os cantos do mundo, que era perseguida e martirizada, que não podia construir um templinho sequer... ela cresceu e alcançou o mundo nos sótãos dos sobrados, nas grutas ao redor da cidade. A Igreja de Cristo é a igreja das catacumbas... onde os fiéis recebiam o pão da Palavra e da Eucaristia dividindo o mesmo espaço que os defuntos... A Igreja de Cristo se reunia pelos campos e à beira dos lagos, e não era o local que importava, mas as verdades ensinadas e vividas, o testemunho na vida diária.

Se hoje, tendo alcançado já quase todos os cantos do mundo, temos condições de ter um templo onde nos abrigamos para celebrar, Deus seja louvado por isso. Mas não vamos nos paganizar achando que é só nas obras de pedra que estamos agradando a Deus. O que realmente agrada a Deus é o quanto nossa prática cristã tem transformado os corações. E pra isso não são necessários templos suntuosos e luxuosos, mas a simplicidade de um estábulo de Belém, o acolhimento de um jardim das oliveiras, o aconchego de um cenáculo de Jerusalém.

Nossas paróquias são ricas e tem dinheiro suficiente para se manterem modesta e tranquilamente e para colaborar com o social e o missionário.

Este artigo não visa fazer com que paremos de dar nossa contribuição financeira, principalmente no dízimo, mas visa conscientizar os fiéis a serem mais exigentes na prestação de contas de suas lideranças e na cobrança de uma aplicação mais cristã e menos pagã dos recursos.

Queridos CAEPs e CPCs, vamos fazer um melhor uso do dinheiro que arrecadamos? Vamos olhar mais para a necessidade do nosso povo e parar de querer mostrar coisas? Vamos parar de ostentar templos e salões, pois SÓ isso não faz de vocês bons cristãos, pelo contrário, infelizmente? Vamos lembrar o que disse Jesus em Mt 24, 1-2?

“Jesus saiu do Templo e ia embora quando seus discípulos se aproximaram dele para mostrar as construções do Templo. Jesus lhes disse: Vocês estão vendo tudo isso? Eu garanto a vocês, aqui não ficará pedra sobre pedra, tudo será destruído.”

40 anos depois esta profecia se concretizou, e só restou o Muro das Lamentações.



E aquele povo que deu mais valor ao Templo e seus ornamentos e desprezou o verdadeiro Evangelho, chorou lágrimas de sangue.

Autor: Anselmo José Ramos Neto